segunda-feira, 14 de julho de 2014

ESCREVER


De repente, entra alguém em sua mente e vai ditando as palavras. Então, como obediente discípulo, você transcreve para o papel o que nem é seu de fato. Seria assim se fosse psicografar ou sofresse um surto esquizofrênico. No entanto, quando o processo criativo começa pode ser só mais uma viagem. Deixar-se levar pelas ideias, pelas experiências acumuladas e nós mentais. As personagens conduzem o autor por um enredo que ele já viveu ou anteviu. Tanto faz. 
Não sou de grandes planejamentos, de cronogramas disciplinados. Rebelde sobretudo com as palavras. Apenas sigo o fluxo da inspiração. Descobri que também trabalho bem mesmo quando limitada por um tema. Anos lidando com digitação, revisão, formatação de teses emprestaram-me um certo olhar distante. Escreva sobre o pedregulho atirado na janela. Eu escrevo. Gosto? Não, mas escrevo.
Escrever nem sempre é prazer. Aliás, na maior parte do tempo, é apenas necessidade. Um instinto, um impulso libertador, uma catarse urgente e inadiável. Admiro os contidos, pesquisadores pacientes, lapidadores do seu próprio talento. Para mim, escrever sempre foi um ato falho, um atravessar solitário pelos corredores da loucura. As palavras, tão preciosas e às vezes cruéis, abraçam a lógica e a devoram.  

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

VALE O RISCO?


Na hora de empreender, de iniciar uma nova trajetória, costuma-se fazer uma projeção dos riscos possíveis. Calcula-se a probabilidade de prejuízo, de dano ou custo. Gráficos são produzidos com cores vivas que demonstrem a necessidade de medidas preventivas.
Riscos pessoais também são sempre pesados. Mesmo que por um segundo antes do mergulho derradeiro. Quem assume o perigo, já tem calculado em si a taxa de sucesso que pensa obter. A não ser que seja um Kamikaze. Um suicida que não tem responsabilidade consigo ou com o que há por vir. 
Arriscar é coisa de gente corajosa ou doida. Ou se tem coragem ou se despenca na loucura. As pessoas medianas sempre optarão pela garantia do medíocre. No entanto, se olharem com mais atenção, verão que não há como se garantir coisa alguma. Se concreto for, perecerá com o tempo. Se de elementos abstratos se quer assegurar, mais ainda se perde. 
Nada se compra, nada se segura. Viver é o grande risco. Não há como calcular a duração de um amor, um sentimento mais profundo. Nas paixões, todos baseiam o limite de dois anos ou menos. 
Por isso, apesar de todo o bom senso, há sempre a hora de se arriscar ou não. Fazer valer a pena. Subir na montanha russa com a sensação de valer a queda. Assumir todas as possibilidades. Riscar as garantias. Se for pra valer, de verdade, todo sentido será recompensado. 

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

PRECISAMOS CONVERSAR


Quem já não sentiu um calafrio ao ouvir a frase Precisamos conversar? É como um alarme disparado em alto e bom som. Não, nem o som é bom. É um tilintar em cristal já partido. É o desafinar de vozes que já se agridem. 
Diálogo é a solução. Pelo menos, é o que escutamos desde o berço. Sem conversa, não tem jeito, tudo fica no ar, engano e dor. Esclarecer os pontos de vista e conhecer os obstáculos existentes ainda parece ser a melhor tática. 
Então, o parceiro chama para uma conversa. Por alguma razão, você desvia do momento crucial. Deixa o tempo passar para ver se aquela ameaça some no ar. Quem sabe tudo desapareça sem necessidade da tal conversa? Mas não passa e a hora chega. 
Mais sensato seria ouvir o que o outro tem a dizer e não sair concluindo tudo com pedras na mão e formando outras nos rins. Olhar com interesse para as dúvidas apresentadas, desenhar mapas se preciso for para se chegar a um ponto comum. Sair da mesmice do não querer fazer nada para mudar. Tem que mudar sim, o tempo todo. Caso contrário, cria limo. 
Aceitar a verdade alheia não configura na mais fácil das missões. O que não casa com o seu entendimento sempre fará coçar como um desapontamento. Onde está a perfeição que eu antes encontrava aqui? Aquela sintonia que mais parecia telepatia? 
Agora, temos de conversar. Falar e falar de algo que incomoda a um dos dois, talvez a ambos. O pior é quando não se sabe qual é o problema, só que há um problema. A famosa DR, discussão da relação, acontece quando necessário ou quando a paciência acabou de vez? Acho que precisamos sentar e conversar sobre isso. 


sábado, 31 de agosto de 2013

A ARTE DO DESAPEGO

Em tempos de individualismo exacerbado, o mundo parece mais estreito do que deveria ser. Não há amplitude de sentimentos ou troca real de emoções. É tudo marcado por limites estratégicos. Até aqui você pode ir, depois dali mantenha distância de mim, mesmo que seja o essencial. O estranho é que quanto mais se foge do envolvimento, mais se encosta na possibilidade de apego doentio. 
Uma coisa não muda desde o princípio: as pessoas se apaixonam. Mesmo que digam que, a partir de segunda-feira, iniciarão dieta e nunca mais ficarão com quem não retornar sentimento e dedicação. Como assim? O risco do apaixonar-se é esse mesmo - quebrar a cara sem garantia de reparo. 
Se houvesse um modo de evitar o envolvimento, ninguém arriscaria perder razão e sono por algumas horas de delírio romântico. Muitos fogem até mesmo de uma simples amizade. Porque juntou duas pessoas, duas mentes diferentes, bagunçou tudo. E se eu for mais amiga dele do que ele meu? E se me trair contando aquela história que confidenciei, se zombar de mim, dos meus pontos fracos, da minha ingenuidade? 
Caímos na cilada do medo com tanta facilidade que acabamos não dedicando tempo algum ao que realmente importa: o amor. Que seja ele laço paternal, abraço fraterno, mãos dadas em roda de crianças, colo de mãe,  juras de amantes, promessa de romance, amizade para sempre. De todas as cores, de todas as formas, com todo o peso, o amor de quem quer sentir de verdade. 
Embora seja lindo como poesia, não se pode pertencer ao outro. Não se deve marcar carne ou alma como propriedade. É preciso respeitar quem abriga o amor. Para dele, se fortalecer sem amarras. 
Não é relacionamento aberto, moderno e frio. É só questão de inteligência. Se não tenho posse de quem foi por mim gerado, como terei de alguém que me foi apresentado por acaso pela vida? Posse está fora de questão. Tocar, beijar, abraçar, pegar, tudo bem. Tem sentido e faz maravilhas. Grudou, começou a usar muito os pronomes possessivos, esqueça. Virou doença, passou das margens, transbordou. Alguém vai sofrer. Alguém vai querer fugir, o outro arregaçar mangas e dentes. Não vai prestar. Não vai restar sentimento ou dúvida . Tudo para a lata do esquecimento. 
E quando não dá mais certo? Quando as expectativas se chocam com os nãos do outro, com uma parede sólida de indiferença? Então, é dar meia volta sem muito alarde. Soltar os fios, desfazer os laços com calma de bordadeira. Dessa vez pego, dessa pego, desapego. 

domingo, 18 de agosto de 2013

EXPECTATIVAS - TER OU NÃO TER?

Quando tudo é novidade parece ser muito difícil manter a serenidade. Olhar para os acontecimentos como quem visualiza paisagem exige disciplina e bom senso. Talvez, até mesmo um certo ar blasé. Um distanciamento quase de ignorante leitor. 
Ceder à tentação de criar fantasias sobre algo ainda mal parido pode causar irreparáveis danos. Trabalho minucioso esse de cortar delírios de esperança. É como podar asas com tesouras de unha. Lentidão, concentração e muita paciência. Mas é preciso fazê-lo antes que um machado invada a cena e golpeie de vez essa frágil circunstância. 
Gostar ninguém gosta de ter que fincar os pés no chão. É pesado, rude e sem graça. Não desenvolve trilha sonora alguma. No máximo, provê a sobrevivência arrastando ferro em bolhas. Delicada história que mal se forma e já se retira ao cárcere de realismo. Parece crueldade, mas pensando bem, deve ser mesmo. Por de castigo quem só ameaçou errar a conta, quem soletrou sonho de trás pra frente, quem trocou de continente intenção e querer. 
Criar expectativas é como olhar para uma fotografia e não se reconhecer nela. Não são os seus traços lá, você é muito melhor, é o que ainda vem, o que ensaia para acontecer. Acredita nisso, se alegra por isso, espera por isso. Senta-se no último degrau, em prece, talvez roendo unhas. Frio na barriga, olhos brilhando, um soluço na alma que nunca se acalma. De algum modo, intensamente feliz. 
O lado perverso da expectativa é que ela anda de mãos dadas com a ilusão. O encantamento do melhor por vir, da história sem fim, da cura em festa, tudo se mistura à possibilidade de portas fechadas. Aí dói, sangra, maltrata. E dizemos que nunca mais buscaremos o que não é pra ser. E como  não sabemos o que é pra ser, não tentaremos novamente. Nada. 
Melhor não criar expectativas. É o que dizem, escrevem e reforçam. No entanto, quem quer viver pra sempre? Quem aceita pagar o preço por um pedaço de felicidade? Mesmo que esse pedaço seja o antes da festa rasgado do convite da estreia? Vale a pena ou não? Talvez somente para as almas tamanho G. 

sábado, 10 de agosto de 2013

O SILÊNCIO QUE DIZ TUDO


Todo mundo quer saber? Da verdade, sem rodeios? Não creio. Às vezes, o que se quer é a ignorância dos fatos. Pelo menos, dos mais dolorosos. Talvez dos mais sórdidos.
O silêncio nem sempre é o vazio. Apresenta também suas respostas para aqueles mais atentos. É quase leitura em braile. Você precisa ter intenção e atenção para entendê-lo. Ser cúmplice de uma pausa nos pensamentos. Se tiver coragem de enfrentá-lo, ele lhe dirá mais do que precisa saber.
O silêncio busca a sua falta de movimento. O momento do descanso, do preparo para o sono, a calmaria de mares. Entra na mente com cuidado, para poder preparar abrigo para novas ideias. Fonte de inspiração onde antes só havia agitação.
A falta daquela mensagem na tela. A ausência do nome no visor do celular quando toca. Não ligou. Será que viu? Notou? Anotou meu número? Não visualizada. Ih, ignorou. Eu sei, é assim mesmo, parece pura indiferença. Como se deixássemos de existir por alguns momentos. Justamente naqueles em que queríamos ser tão marcantes. Duas opções para o silêncio fazer eco: a pessoa não pode responder ou ela não quer. Indisponível, intransigente, inacessível.  
Se não reflete nada, se apenas apaga pegadas e sonhos, o silêncio é caos. Nem por isso se cala. Diz o que vem para revelar: acabou. Invade mentes em ebulição com seu manso prazer de faxinar. Sim, não há nada aqui pra você. então, ele diz tudo. Tudo o que você precisava ouvir. Tudo o que você não queria saber. 
Às vezes, o silêncio se desfaz com o tempo e tudo se acalma com palavras. Outras vezes, permanece sem verbo, mas traduz todo um mundo em olhares. Então, o silêncio completa. 

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

FÁCIL?


Parei alguns minutos para assistir a um debate na TV. Um grupo heterogêneo discutindo sobre o conceito de mulher fácil. Prendeu minha atenção a discrepância entre uma e outra opinião. O velho conceito de que legal é ser difícil, valorizar-se, atiçar o desejo Como se as mulheres estivessem em um leilão aguardando o lance maior. 
Um rapaz confessou que perguntava a cada mulher com quem saia o número de parceiros em sua vida até ali. Bobagem! Ela sempre pode mentir, aumentar ou diminuir conforme a imagem que queira criar. Acho a pergunta irrelevante, além de imatura.
Qual o número exato a tornaria uma mulher fácil? E qual a extensão de tempo para isso acontecer? A vida toda? E se ela for uma jovem de vinte anos? Não, nada é muito fácil. Muito menos uma mulher.
Lembro-me perfeitamente do dia em que a coordenadora da escola entrou na sala de aula e começou a discursar sobre os motivos que levavam os meninos a fazer certas brincadeiras inadequadas com as colegas. Algo sobre bilhetes, desenhos e piadinhas. Pra mim, estava falando grego. Nem tinha percebido tal movimento durante qualquer aula. Eis que a professora pergunta se eu já tinha recebido algum desenho ou ouvido alguma piada daquele tipo. Respondi com a verdade - não. Aí virei exemplo, aquela que se dá ao respeito. Acho que outras meninas foram citadas igualmente, mas eu apaguei da memória. Eu me dava ao respeito. Aos onze anos de idade? 
Há mulheres que nem sei se são fáceis, são vulgares e me provocam vergonha alheia. São bem difíceis de engolir, isso sim. Mesmo assim, cada um sabe onde lhe cai a facilidade. 
Não cheguei à conclusão alguma. Também não direi se sou difícil ou fácil. O bom é ouvir "você é uma pessoa fácil de lidar". Você é fácil, já não é tão interessante.  Talvez eu seja fácil como um quebra-cabeça de mil peças. Depende da sua habilidade em formar a paisagem.